quinta-feira, 19 de maio de 2011

Combate ao abuso e exploração sexual ainda é um desafio no Pará

DILSON PIMENTEL


da Redação e Agência Brasil

"Eliminar a violação dos direitos de milhares de crianças e adolescentes, em especial a violência sexual, é um dos maiores desafios do Estado do Pará". A afirmação é da pedagoga Alessandra Cordovil, do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-Emaús). Ela completa: "E envolve um esforço conjunto de políticas públicas em diversos setores como, por exemplo, os de saúde, educação e assistência social, a fim de se visualizar o desenvolvimento de um trabalho com perspectivas positivas na garantia dos direitos humanos de crianças e adolescentes".

Na próxima quarta-feira, 18 de maio, é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. No Pará, além das programações que serão realizadas para marcar a data, esse dia servirá para refletir sobre esse tema.

Qualquer que seja a referência, os números são preocupantes. Alessandra Cordovil diz que o Cedeca-Emaús trabalha com os dados do Disque-Denúncia nacional, que, de maio de 2003 a novembro de 2010, recebeu quase 143 mil denúncias de violação de direitos de crianças e adolescentes em todo o Brasil.

Pela ordem, as situações mais denunciadas são negligência, violência sexual e violência física e psicológica. Por esses dados, a região Norte ocupa o terceiro lugar no ranking de denúncias recebidas. Além do Disque-Denúncia nacional, cujo número é 100, o Cedeca-Emaús trabalha com os dados do Pró-Paz Integrado, do governo do Estado. A partir da análise dessas estatísticas é que Alessandra Cordovil diz que eliminar a violação de direitos de milhares de crianças e adolescentes compreende um dos maiores desafios do Estado do Pará.

Ela também destaca a necessidade de construção, implantação e execução, de fato, de um Plano Estadual de Enfrentamento da Violência Sexual contra crianças e adolescentes com a participação da sociedade civil, a criação de uma vara especializada para apuração de crimes sexuais contra crianças e adolescentes e uma maior atenção à implantação dos projetos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) nos municípios paraenses, com o objetivo de monitorar os impactos sociais referentes ao aumento da violência e exploração sexual de crianças e adolescentes nos canteiros de obras.

Casos de crime podem ter chegado a 100 mil

Membro da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Pará, a advogada Arlene Dias lembra os dados apurados pela CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Pedofilia, realizada pela Assembleia Legislativa do Pará. Foram registrados 27.317 casos de abuso sexual no Estado, nos últimos cinco anos. Como para cada ocorrência notificada há três ou quatro não notificadas, estima-se que esse número chegou a 100 mil casos no período. "A questão é muitíssimo delicada e preocupante quando se trata de violência sexual contra crianças e adolescentes, abrangendo não somente o abuso, como também a exploração sexual", afirma.

Em 81% dos casos de abuso sexual, explica Arlene, o agressor é o pai, o padrasto ou avô. "Trata-se de uma pessoa que deveria zelar pela integridade da criança. Não menos preocupante é a questão da exploração sexual, seja lá em que local ocorra. Mas acredito que em nossa região a questão causa maior preocupação e impacto diante de determinadas peculiaridades que facilitam tal prática, como a questão cultural e nossa posição geográfica, com grandes fronteiras e fiscalização insuficiente", destaca a advogada.

Ela diz acreditar que o número de casos de violência sexual sempre foi elevado. "Porém, até bem pouco tempo atrás, o número de denúncias era bem abaixo dos dias de hoje. Neste contexto, o trabalho de várias instituições, conjugado ao papel da mídia, vem ganhando cada vez mais importância para o processo de conscientização da sociedade contra a violência sexual em todas as camadas, uma vez que (a violência) pode ocorrer em qualquer classe social". Arlene Dias diz que, hoje, as pessoas conseguem romper o pacto do silêncio, tão comum nos casos de abuso sexual, tomando consciência da necessidade da denúncia e do combate a este crime.

A advogada informa que, por meio da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, a OAB-PA traça anualmente uma série de atividades para assegurar garantias à população infanto-juvenil. "Particularmente em relação à violência sexual, (a OAB-PA) vem promovendo vários eventos, algumas vezes em parceria com outras instituições, no sentido de fomentar o combate à violência sexual, além de buscar e exigir soluções junto aos órgãos competentes para minorar o problema".

"Carta Denúncia" solicitará intervenção do Ministério Público

A pedagoga do Cedeca-Emaús diz que não se pode deixar de destacar que a criação e a divulgação dos canais de denúncias oficiais têm possibilitado uma maior mobilização da população para denunciar casos de violência sexual. "Além disso, a discussão do tema em outros espaços públicos tem contribuído significativamente para o aumento de denúncias", afirma Alessandra Cordovil. Para reverter o cenário de violação de direitos humanos, o Cedeca-Emaús "vem intervindo no sentido de construir estratégias de enfrentamento da problemática que levem em consideração, acima de tudo, o direito à participação de crianças e adolescentes na promoção de direitos fundamentais, atuando de fato e multiplicando ações de enfrentamento da violência sexual e de outras formas de violações", acrescenta.

O Cedeca-Emaús, destaca a pedagoga, também vem realizando ações que contemplem gênero, etnia, orientação sexual, redução de iniquidades regionais, participação infanto-juvenil e humanização da participação de crianças e adolescentes nos sistemas de segurança e justiça, dentre outros temas que possam fortalecer as redes de proteção e responsabilização locais.

Além disso, destaca Alessandra Cordovil, a entidade atua politicamente por meio do Comitê Estadual de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, cuja coordenação atual encontra-se sob a responsabilidade do Cedeca-Emaús. Na opinião de Alessandra, o que o Estado e as demais organizações da sociedade podem fazer para combater o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes é desenvolver ações integradas entre os diversos setores da sociedade (saúde, educação, assistência social), articulados com os fóruns e comitês de enfrentamento da violência sexual, para potencializar as ações e recursos humanos e financeiros voltados para esse trabalho.

No dia 18, o Comitê Estadual de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, o Fórum DCA (Direitos da Criança e do Adolescente) e o Fórum Municipal de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes realizarão uma audiência pública com o Ministério Público do Estado, para entregar uma "Carta Denúncia" destacando as violações de direitos de crianças e adolescentes identificadas pela sociedade civil e, também, solicitando a intervenção do Ministério Público.

OAB quer serviço de inteligência especial para apurar ocorrências

Arlene Dias afirma que, após a divulgação dos dados da CPI da Pedofilia, a OAB-PA encaminhou ofício aos comandos da Delegacia Geral e à Diretoria de Polícia do Interior, também da Polícia Civil, requerendo a criação de uma delegacia e um serviço de inteligência especializados para apuração de crimes de violência sexual contra crianças e adolescentes. Enviou, ainda, ofício ao Tribunal de Justiça do Pará requerendo a instalação de uma vara especializada com competência estadual para julgamentos de crimes desta natureza.

A advogada acredita que o Estado, em especial, deve implantar políticas públicas e fortalecer as redes de apoio às vítimas de violência sexual, além de promover a capacitação dos profissionais que atuam na área. "Quando o assunto é o combate à violência sexual, nota-se o importante papel das demais instituições, através de seus programas e ações de enfrentamento à violência sexual, levando a problemática à sociedade e exigindo o cumprimento das obrigações dos órgãos competentes", diz.

Um grande passo, defende, seria a criação de um banco de dados integrado entre as instituições, do qual se obtivessem dados mais concretos e que se aproximassem da realidade. "Mas a questão do combate à violência sexual não é tão simples, uma vez que a origem da questão é multifatorial. No caso da exploração sexual contra crianças e adolescentes, por exemplo, a pobreza é um dos fatores de risco, sendo registrados muitos casos de pais que vendem seus filhos com o intuito de obter lucro", completa.

Arlene Dias afirma que é preciso estar atento às alterações comportamentais que a criança apresenta após o abuso, tais como agressividade, irritabilidade, alterações no sono, dificuldade de concentração e consequente baixo rendimento escolar, isolamento, dificuldade no relacionamento com outras crianças, distúrbios de conduta (mentira, furto) e transtorno de estresse pós-traumático. "Alerto, porém, que o fato de apresentarem tais sintomas não significa necessariamente que a criança foi abusada. Mas, sem dúvida, devem ser investigados com cautela".

Campanha busca reunir 50 mil tweets contra exploração sexual

A campanha de mobilização Carinho de Verdade, ação pública em defesa de crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual comercial, pretende reunir, até 18 de maio, 50 mil tweets (textos postados) contra a prática, por meio das redes sociais Twitter, Facebook, Orkut e Flickr. A campanha é realizada desde o dia 18 de abril deste ano.

Cerca de 100 artistas e atletas de destaque participam do ato, que tem como objetivo fomentar os debates públicos sobre a exploração sexual de crianças e adolescentes e sensibilizar a sociedade brasileira, estimulando um comportamento efetivo para o enfrentamento do problema.

Qualquer pessoa pode participar do ato utilizando a hashtag #carinhode verdade em suas redes. Os que ainda não têm redes sociais podem acessar o site oficial da campanha www.carinhodeverdade.org.br e fazer a adesão.

A campanha foi lançada em outubro de 2010 pelo Conselho Nacional do Serviço Social da Indústria (Sesi), em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o Comitê Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, a Childhood Brasil e outras organizações que integram as redes de enfrentamento à violência sexual no Brasil.

Dados do Disque-Denúncia nacional indicam que, no primeiro semestre de 2010, foram recebidas 3.600 denúncias de violência sexual. De acordo com os organizadores da campanha, entretanto, não há dados oficiais sobre o número exato de crianças e adolescentes que vivem essa realidade no País.


Fonte: O Liberal 16/05/2011 (site ORM)

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