ENTREVISTA - 02/05/2010 - O LIBERAL - FILHOS PODEM SOFRER DE ALIENAÇÃO PARENTAL

Filhos podem sofrer de alienação parental




Edição de 02/05/2010



RISCOS - Doença deixa sequelas quando pais separados denigrem a imagem do outro



Alienação Parental. Você pode nunca ter ouvido falar neste termo, mas o ato de "programar" o filho para odiar um dos seus genitores sem justificativa durante o processo de separação do casal está cada vez mais presente nos lares - e nos tribunais - brasileiros. A Associação de Pais e Mães Separados (Apase) estima que mais de 20 milhões de crianças sofram em todo país com os efeitos danosos deste tipo de comportamento, que pode começar com pequenos momentos de agressividade e ansiedade, mas também levar à depressão, distúrbios do sono e a dificuldades de se relacionar com outras pessoas para o resto da vida. Hoje, no Dia Internacional da Conscientização sobre a Alienação Parental, o jornal O LIBERAL conversa com a advogada e psicóloga, Arlene Mara de Sousa Dias. Representante da Apase no Pará e especialista no assunto, Arlene, nesta entrevista, fala sobre os riscos que a alienação parental traz para a formação da criança, os mecanismos de identificação do problema e também sobre o Projeto de Lei 4053/2008, de autoria do deputado federal Régis Oliveira (PSC/SP), que além de tipificar a Síndrome de Alienação Parental (SAP), prevê punições como advertências, multas ou até a perda do poder familiar pelo genitor manipulador. A proposta elaborada junto com diversas entidades espalhadas pelo país já passou pela Câmara e agora depende da aprovação do Senado para se tornar lei.





 O que é a alienação parental e de que forma ela interfere no desenvolvimento da criança?



 É uma prática que, em geral, ocorre após a separação do casal, em que o genitor que é o detentor da guarda da criança, que chamamos de genitor alienante, vai passar a manipular o filho para promover o afastamento do outro genitor, o alienado. E esta prática traz consequências gravíssimas - tanto emocionais, quanto comportamentais - para a criança. Ela pode apresentar, por exemplo, depressão, ansiedade, transtorno de sono e de alimentação. E uma vez a alienação parental se estendendo pelo tempo, na fase adulta, esta mesma criança pode vir a ter dificuldades de relacionamento com terceiros, na medida em que vai se sentir traída pela pessoa que mais confiava. Neste período, por atingir uma maior maturidade e passar a entender melhor o que aconteceu com ela, vai acabar sentindo culpa, por ter contribuído, ainda que de forma manipulada, para este afastamento do outro genitor.



 Quando se identificou esta síndrome e qual a incidência dela hoje na sociedade?



 A alienação parental já ocorre há muito tempo, mas recebeu uma denominação oficial, em 1985, pelo professor de Clínica Psiquiátrica Infantil da Universidade de Columbia, Richard Gardner. Aliás, existe uma diferenciação entre a síndrome da alienação parental e a alienação parental. A primeira são as sequelas emocionais e comportamentais que acontecem sobre a criança e a segunda é o ato da alienação parental propriamente dito.



 Como identificar que a criança já está sofrendo este tipo de alienação?



 É preciso observar o padrão de conduta, principalmente dos pais. São situações como denegrir a imagem do outro genitor; apresentar o novo companheiro (a) na condição de "novo" pai ou mãe; fazer comentários desagradáveis sobre os presentes dados pelo genitor; obrigar a criança a optar por um dos pais; dificultar as visitas; ou externar seu desagrado diante das manifestações de carinho do filho para o genitor alienado. Porém, seu grau máximo é quando o genitor alienante emite falsas acusações de abuso sexual, podendo ocorrer aqui a "implantação de falsas memórias", onde a criança é levada a acreditar em fatos inverídicos. Aí, é uma questão extremamente delicada, que coloca em jogo o bem-estar da criança. O ideal é que o juiz determine uma perícia e um estudo social naquela família e, uma vez detectada esta prática, sejam tomadas as atitudes cabíveis. Até mesmo uma terapia familiar para reaproximar o genitor alienado da criança.





 Movimentos sociais, como a Apase, já conseguiram avançar bastante nesta questão ao aprovar na Câmara Federal o Projeto de Lei 4053/08 que regulamenta o crime da alienação parental. Falta o Senado. Como está esta articulação?



 O projeto foi aprovado na Câmara, mas ainda está parado no Senado. Mas estamos acompanhando esta questão de perto, conversando com nossos representantes, chamando a atenção para a importância do projeto. A mudança que se espera é de que exista no Brasil hoje uma regulamentação sobre a alienação parental, uma lei específica com regras sobre isso e que possa dar melhor suporte à decisão dos juízes.





 Quais as penas previstas no projeto de lei para o genitor alienante?



 Depende do caso. O projeto pode prever, por exemplo, a reversão da guarda, a suspensão temporária do direito de visita para o genitor alienante e até mesmo a perda do pátrio poder nos casos mais graves.





 E como os pais devem agir no caso de uma separação? Existe uma corrente forte na psicologia que orienta os pais a usar da franqueza com os filhos. Mas como evitar que isso incorra em algum tipo de alienação parental?



 A alienação parental pode ocorrer de forma consciente ou inconsciente pelo genitor. Porém, é preciso diferenciar. Uma coisa é dizer a verdade para o filho sobre a separação, mas outra é denegrir a imagem do outro de forma reiterada, insistentemente, com o objetivo de prejudicar a relação dele com o filho.





 Então, o que se deve falar para criança durante o processo de separação?



 Tudo isso vai depender do grau de maturidade da criança, do entendimento que ela tem sobre esta situação. Por isso deve ter uma sensibilidade maior dos pais para identificar esta situação e saber como abordar, e sempre ter em mente que você pode ter um diálogo franco, sem necessariamente distorcer a imagem do outro genitor para a criança, sem ter o objetivo de macular a honra do outro. Uma das grandes dificuldades é porque a sociedade precisa ter consciência sobre o que é a alienação parental. Às vezes se comete a alienação parental sem saber. O que poderia ajudar seria a divulgação do que é a alienação parental e as graves consequências que pode ter numa criança. E uma vez identificada esta situação, levá-la ao Judiciário para que o juiz possa barrar esta prática nefasta com uma perícia e um estudo sobre aquela família.





 Mesmo sem a lei em vigor, como o Judiciário brasileiro tem tratado a alienação parental?



 Já temos no Brasil pelo menos 30 decisões em que foi analisada a questão da alienação parental. O que nos dá precedentes para este tipo de processo, principalmente nas regiões Sul e Sudeste, onde o acúmulo do debate é maior. Mas a nossa expectativa é de que este debate possa se ampliar com a nova lei.