ARTIGO PUBLICADO EM O LIBERAL - 16/05/2010 - NOVOS ARRANJOS FAMILIARES DESAFIAM LEGISLADORES

O dia 15 de maio foi decretado como Dia Internacional da Família pela Assembléia Geral da ONU em 20 de Setembro de 1993, com o objetivo de chamar a atenção para os direitos e responsabilidades da família, bem como para enfatizar a sua importância na vida de cada pessoa. Ao longo da história, novas arranjos familiares surgiram e, consequentemente, a necessidade de adequação da lei à realidade social, o que não causa espanto, vez que os fatos sociais antecedem ao Direito.

Não existe um conceito universal sobre o que seja uma família, vez que em cada tempo e contexto, assumem dinâmicas diferentes. Entretanto, em todas as culturas constitui o quadro natural no qual os seres humanos – e em especial as crianças – podem prover sua subsistência e obter as condições necessárias para o pleno desenvolvimento emocional, psíquico, físico, etc. É no seio da família que as crianças podem absorver valores positivos que as acompanharão pelo resto da vida, formando conceitos essenciais sobre a igualdade, responsabilidade, etc.

Por outro lado, não há como ignorar-se as profundas transformações que esta unidade básica da sociedade tem sofrido ao longo dos últimos anos. Durante séculos o matrimônio era tido como único e absoluto arranjo familiar, no qual o homem e a mulher possuíam papéis definidos e marcantes, ao homem enquanto chefe de família cabia prover o sustento da família e, à mulher, competia o cuidado e zelo pela prole. E assim a idéia da divisão sexual do trabalho foi transmitida a cada nova geração.

No Brasil, foi com os movimentos feministas que se intensificou a busca da igualdade social entre homens e mulheres, marcando de forma acentuada a entrada da mulher no mercado de trabalho, seja por necessidades financeiras, seja por realização profissional. Observou-se, ainda, o aumento do número de divórcios, a redução do tamanho médio das famílias; casamentos cada vez mais tardios entre os jovens; aumento da idade média das mulheres quando do nascimento do primeiro filho, etc.

Diante das mudanças sociais, o conceito de família mudou, hoje, consubstanciado no princípio da afetividade, sem que seus membros estejam ligados, necessariamente, pelos laços de consanguinidade. A Constituição de 1988, por sua vez, passou a reconhecer como entidade familiar, ao lado do matrimônio, a união estável – um homem e mulher mantendo relação duradoura, contínua e notória sob a mesma casa (ou não), tendo filhos (ou não), sem o “papel assinado” – e a família monoparental – mãe ou pai solteiro (a) com filhos, mãe ou pai solteiro (a) adotando filhos, surgimento de técnicas de reprodução artificial humana, etc.

Entretanto, embora nossa legislação deva acompanhar as transformações sociais adequando-se às necessidades da sociedade, ainda vê-se, que outros arranjos carecem de reconhecimento, estando à margem da lei, como a família homoafetiva – relação afetiva entre pessoas do mesmo sexo, com características de união estável – e a família anaparental – constituída basicamente pela convivência entre parentes dentro de uma mesma estrutura organizacional e afetiva com objetivos comuns. Como exemplo deste arranjo, encontra-se irmãos ou tios e sobrinhos residindo no mesmo lar, reunidos pela afetividade ou por necessidades financeiras, etc.

Contemporaneamente, a homossexualidade passa por uma fase de maior aceitação, sobretudo, no Ocidente. A união civil entre pessoas do mesmo sexo é permitida em países como a Dinamarca – o primeiro país a aprová-la em 1989 – Noruega (1993), França (1999), Alemanha (2002), Bélgica (2003), Argentina (2003), Canadá (2005), entre outros. No Brasil, embora a união civil ainda não seja legalizada, a doutrina e jurisprudência vem caminhando no sentido de reconhecê-la enquanto entidade familiar. Há que se ressaltar que, recentemente, o STJ, pela primeira vez, manteve o registro de adoção de duas crianças por um casal de lésbicas da cidade de Bagé (RS), representando um significativo avanço social. Entretanto, em outras nações ainda há um acirrado preconceito como no Irã onde são estabelecidas penas duríssimas, até mesmo a morte.

Por sua vez, a família anaparental também padece de reconhecimento legislativo, implicando em prejuízos, sobretudo, após a morte de um dos membros. Exemplificando: dois irmãos convivem por longos anos debaixo do mesmo teto e com esforços comuns constituem um acervo patrimonial. Sobrevindo a morte de um deles, é justo que se partilhe os bens entre todos os irmãos igualitariamente? Seria justo, na melhor das hipóteses, invocar a Súmula 380 do STF para caracterizar a sociedade de fato, amealhando o irmão apenas com a metade dos bens? São situações reais que ainda aguardam regulamentação.

De qualquer forma, a sociedade deve criar um ambiente de apoio e respeito às famílias, reforçando, concomitantemente, as oportunidades de realização que a vida familiar positiva proporciona aos seus membros. Por certo, novas mudanças sociais ainda hão de ocorrer, estabelecendo novos valores e acepções de vida. Portanto, neste Dia Internacional da Família, dediquemo-nos uma vez mais a esta tarefa.

Arlene Mara de Sousa Dias