Artigo publicado no site da OAB/PA - Violência contra crianças e adolescentes: um desafio à sociedade e ao Estado

Violência contra crianças e adolescentes: um desafio à sociedade e ao Estado


A violência, enquanto problema social, pode atingir a todos, independentemente de sexo, idade, etnia ou classe, manifestando-se de várias formas: violência física, psicológica e sexual. Entretanto, vê-se que a criança é uma das vítimas mais vulneráveis em razão de sua condição física e psíquica ainda em formação, possuindo, portanto, menos recursos para resistir ou escapar. Não à toa, a violência é a segunda principal causa de mortalidade global em nosso país segundo dados do Ministério da Saúde. Esta situação, endêmica, advém de um conjunto de fatores, como problemas sociais – má distribuição de renda, baixa escolaridade, o desemprego – culturais, familiares, entre tantos.

Por certo, uma das realidades mais preocupantes envolve a questão dos maus-tratos contra crianças e adolescentes, enquadrado no art. 136 do Código Penal como “Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina” punido com detenção de 02 meses a 01 ano ou multa, em ocorrendo lesão de natureza grave, a pena vai de 01 a 4 anos de reclusão, aumentada de 1/3 se a vítima é menor de 14 anos. Entendemos que a pena ainda é branda se comparada aos prejuízos que podem advir ao desenvolvimento físico, psicológico ou social da criança ou adolescente ainda em formação.

Atualmente, somos expectadores de inúmeros casos veiculados sobre maus-tratos cometidos por pais, familiares, babás, abuso sexual de crianças e adolescentes – inclusive de tenra idade – e muitas vezes, até a morte. Em tese, caberia a todos os pais assegurar aos filhos proteção integral, afetividade e sua subsistência, propiciando as condições necessárias ao seu pleno desenvolvimento. Trata-se, de um grave problema, vez que a agressão é praticada dentro do ambiente familiar, transformado em verdadeira fonte de tortura.

Algumas situações podem desencadear a violência, tais como: a reprodução das experiências de maus-tratos vivenciadas durante a infância ou adolescência, desajustes familiares, abuso de álcool e drogas ilícitas. Diversos estudos demonstram que adolescentes vítimas de maus-tratos na infância, apresentam 25% mais chances de apresentar gravidez precoce, deliquência, uso de drogas, etc. É bem verdade que, se por um lado, as marcas físicas podem ser tratadas, por outro, observa-se que as marcas psicológicas podem permanecer para o resto da vida, caso não haja um acompanhamento adequado.

Não menos preocupante é a violência sexual contra crianças e adolescentes, consubstanciada no abuso e exploração sexual. Lamentavelmente, são situações cada vez mais presentes na sociedade, cujas raízes dificultam sua solução, pois pautadas em muitos fatores, como desigualdades, poder, dinheiro, etc.

Pesquisas apontam que a maioria das crianças vítimas de algum tipo de violência preenche os critérios de diagnóstico de desordens mentais e estresse pós-traumáticos, apresentando revivência do trauma através de sonhos, imagens ou flashbacks, hiperatividade, hiperagressividade, distúrbios de sono, além de apresentar baixo rendimento escolar ou evasão, isolamento, dificuldades para formar vínculos seguros com adultos ou com seus pares, etc. Nos quadros agudos, podem apresentar pânico, comportamentos auto-destrutivo e depressivo.

O Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (CECRIA), gestor do serviço Disque 100 – o qual recebe informações sobre violência contra crianças e adolescentes em todo o Brasil – divulgou que entre janeiro e abril deste ano, o serviço atendeu 8.799 casos de violência contra crianças e adolescentes. Sendo que, desde 2003, quando foi implementado, o Disque 100 encaminhou 123 mil denúncias, constatando-se, ainda, que a violência física e psicológica contra crianças e adolescentes corresponde a 34% do total de atendimentos – mesma proporção de denúncias de negligência e, os casos de violência sexual compõem os 32% de registros restantes. Entretanto, convém ressaltar que estes dados são referentes apenas aos casos efetivamente denunciados à Central, existindo milhares de outros que não são registrados.

Infelizmente, os maus-tratos na infância e adolescência praticados por pais ou cuidadores primários apresentam-se como um dos grandes desafios ao Poder Público, vez que são os autores da violência e, concomitantemente, também são as pessoas que deveriam zelar pela integridade física e psicológica daqueles. Neste contexto, a responsabilidade do Estado vai muito além da punição, pois deve viabilizar o fortalecimento da rede de apoio, pôr em prática políticas preventivas, capacitar os profissionais da rede de saúde pública e dos operadores do Direito – magistrados, promotores, etc. – e promover a conscientização e sensibilização da sociedade como um todo.



Arlene Mara de Sousa Dias

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Código Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del2848.htm, acessado em 02 de junho de 2010.

MOREIRA, Mariana. Violência na infância, marcas por toda a vida. Disponível em http://www.segs.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10428:violencia-na-infancia-marcas-por-toda-a-vida&catid=47:cat-saude&directory=349, acessado em 01 de junho de 2010.

TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para operadores do Direito. 4ªed. rev atual. Porto: Livraria do Advogado Editora, 2010.

VANRELL, Jorge Paulete. Maus-tratos na infância. Disponível em http://www.cerebromente.org.br/n04/doenca/infancia/persona.htm, acessado em 02 de junho de 2010.

Artigo publicado no site: http://www.oabpa.org.br/noticia.asp?id=4152