ARTIGO PUBLICADO NOS SITES DA OAB/PA E JUS BRASIL - ADOÇÃO: MAIS QUE UM ATO JURÍDICO É UM ATO DE DESEJO

ADOÇÃO: MAIS QUE UM ATO JURÍDICO É UM ATO DE DESEJO


Sem dúvida o lugar mais adequado para a criança desenvolver-se plenamente é no seio de uma família. É este o grande desejo de uma criança ou adolescente que vive à espera de uma adoção. Neste contexto, lembra-se que aos “filhos adotivos” era atribuído um tratamento desigual em relação aos “filhos legítimos”. Somente com o advento da Constituição de 1988 é que reconheceu-se direitos equânimes a todos os filhos, havidos ou não do casamento ou por adoção.

Levando em consideração que a filiação é uma construção cultural, fortalecida no convívio diário, independentemente da sua origem, pode-se afirmar que os laços afetivos de uma família não são construídos a partir da consanguinidade. É possível que uma mulher dê à luz a uma criança e não a “adote”, daí explicar os inúmeros casos em que os pais biológicos não “adotaram” a criança afetivamente, levando ao abandono e aos maus-tratos e, consequentemente, ao “inchaço” de abrigos.

A nova lei da adoção, lei nº 12.010/2009 preconiza que o prazo máximo de permanência de crianças em programa de acolhimento institucional deve ser de dois anos, salvo necessidade comprovada, ou seja, deve ser de caráter provisório. Contudo, observa-se que grande parte dos abrigos acabam assumindo um caráter permanente.

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA (2003), os motivos que levam uma criança e/ou adolescente aos abrigos são a carência de recursos materiais da família (24,2%), abandono (18,9%), violência doméstica (11,7%), pais dependentes químicos (11,4%), vivência de rua (7,0%), orfandade (5,2%) e outros (21,6%).

As condições de grande parte dos abrigos - atendimento padronizado, alta rotatividade do cuidador, alto índice de criança por cuidador, a falta de atividades planejadas e a fragilidade das redes de apoio social - podem levar a criança a apresentar insegurança pessoal, medo e falta de confiança no outro. A criança terá grandes chances de desenvolver relações estáveis se, duarante sua infância, houver a construção de vínculos afetivos duradouros e contínuos, o que dificilmente ocorrerá em um abrigo. Por outro lado, poderá ganhar tal oportunidade com a adoção. E, uma vez consumada, atribui-se a condição de filho para todos os efeitos, desligando-o de qualquer vínculo com seus pais biológicos, salvo quanto aos impedimentos para o casamento, obviamente.

Dado o caráter irrevogável da adoção, é imperioso que os pretendentes a adotar estejam conscientes e seguros do ato. Entretanto, caso seja constatada, posteriormente, negligência, violência ou abuso sexual, os pais perdem o “poder familiar” e a criança volta ao abrigo novamente para adoção.

Visando agilizar os processos de adoção, criou-se em 29 de abril de 2008 o Cadastro Nacional de Adoção - CNA, consistindo em um instrumento para auxiliar os juízes das varas da infância e da juventude na condução dos procedimentos de adoção, havendo a integração de todos os cadastros existentes no país referentes à adoção através de um banco de dados único, registrando-se os pretendentes à adoção e as crianças e adolescentes disponíveis para tanto.

Segundo o CNA 40% dos pretendentes à adoção preferem crianças brancas e 56% preferem crianças com idades de até três anos. Há inúmeros mitos em relação à adoção, entre eles, o de que a criança mais velha tem tendência a ser problemática. É bem verdade que na chamada adoção tardia algumas crianças podem sentir medo de serem abandonadas novamente, podendo apresentar um processo de regressão - por exemplo, voltar a engatinhar ou a fazer xixi na cama. Mas, se os pais buscarem informações saberão lidar com tais questões, caso ocorram. As estatísticas também revelam que as crianças de pele negra, as maiores de 4 anos, os grupos de irmãos, e, sobretudo, as crianças portadoras de alguma deficiência, têm poucas chances de serem colocadas em uma família substituta. Por isso, alertar para os preconceitos que sustentam a rejeição a tais grupos é uma das missões que precisam ser assumidas para mudar a realidade de crianças que chegam à maturidade sem nunca ter conhecido o convívio familiar.

Atualmente, há 27 mil famílias inscritas e quase 5 mil crianças e adolescentes aptos para serem adotados. Por sua vez, o Conselho Nacional de Justiça - CNJ informou que cerca de 85,72% dos candidatos a adotar desejam apenas uma criança e 13,40% pretendem adotar duas crianças. As estatísticas revelam que 35,21% do total de crianças e adolescentes aptas à adoção são brancas, 45,76% são pardas, 17,85% são negras, 0,76% são indígenas e 0,42% são amarelas. O Estado de São Paulo lidera o ranking do CNA, com 7.369 pretendentes cadastrados, seguido do Rio Grande do Sul, com 4.295 pretendentes e em terceiro lugar vem o Paraná com 3.768 pretendentes. Nesse período, 122 crianças foram acolhidas por uma nova família.

A verdade é que, independentemente do sexo, raça ou idade da criança/adolescente adotando, muito mais que um ato jurídico, a adoção é um ato de desejo com o fito de formar uma referência familiar, proporcionando um desenvolvimento saudável.

Arlene Mara de Sousa Dias - Advogada, graduada em Direito e Psicologia - Bacharelado, especialista em Direito Processual Civil; membro da Comissão da defesa dos Direitos da Criança e Adolescente da OAB⁄PA; membro da Associação Brasileira de Psicologia Jurídica e membro da Associação Brasileira de Advogados de Família.


BIBLIOGRAFIA

BERNAT, Ana Beatriz Rocha. Impasses na Adoção: o que nos ensinam sobre a filiação? In PAULO, Beatrice Marinho (Coord.). Psicologia na Prática Jurídica: a criança em foco. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.

BRASIL. Lei Federal nº 8.060/90. Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA.

BRASIL. Lei Federal nº 12.010/2009. Dispõe sobre adoção; altera as Leis nos 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943; e dá outras providências.

RAMOS, Patrícia Acácio. Acolhimento Institucional de Crianças e suas Consequências. In PAULO, Beatrice Marinho (Coord.). Psicologia na Prática Jurídica: a criança em foco. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.