quinta-feira, 25 de agosto de 2011

FORTIORI - 1º CICLO DE PALESTRAS EM PSICOLOGIA JURÍDICA

Pessoas, agradeço à Fortiori na pessoa do Altiere a oportunidade de debater sobre a Alienação Parental. Foi muito gratificante!!!

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Combate ao abuso e exploração sexual ainda é um desafio no Pará

DILSON PIMENTEL


da Redação e Agência Brasil

"Eliminar a violação dos direitos de milhares de crianças e adolescentes, em especial a violência sexual, é um dos maiores desafios do Estado do Pará". A afirmação é da pedagoga Alessandra Cordovil, do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-Emaús). Ela completa: "E envolve um esforço conjunto de políticas públicas em diversos setores como, por exemplo, os de saúde, educação e assistência social, a fim de se visualizar o desenvolvimento de um trabalho com perspectivas positivas na garantia dos direitos humanos de crianças e adolescentes".

Na próxima quarta-feira, 18 de maio, é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. No Pará, além das programações que serão realizadas para marcar a data, esse dia servirá para refletir sobre esse tema.

Qualquer que seja a referência, os números são preocupantes. Alessandra Cordovil diz que o Cedeca-Emaús trabalha com os dados do Disque-Denúncia nacional, que, de maio de 2003 a novembro de 2010, recebeu quase 143 mil denúncias de violação de direitos de crianças e adolescentes em todo o Brasil.

Pela ordem, as situações mais denunciadas são negligência, violência sexual e violência física e psicológica. Por esses dados, a região Norte ocupa o terceiro lugar no ranking de denúncias recebidas. Além do Disque-Denúncia nacional, cujo número é 100, o Cedeca-Emaús trabalha com os dados do Pró-Paz Integrado, do governo do Estado. A partir da análise dessas estatísticas é que Alessandra Cordovil diz que eliminar a violação de direitos de milhares de crianças e adolescentes compreende um dos maiores desafios do Estado do Pará.

Ela também destaca a necessidade de construção, implantação e execução, de fato, de um Plano Estadual de Enfrentamento da Violência Sexual contra crianças e adolescentes com a participação da sociedade civil, a criação de uma vara especializada para apuração de crimes sexuais contra crianças e adolescentes e uma maior atenção à implantação dos projetos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) nos municípios paraenses, com o objetivo de monitorar os impactos sociais referentes ao aumento da violência e exploração sexual de crianças e adolescentes nos canteiros de obras.

Casos de crime podem ter chegado a 100 mil

Membro da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Pará, a advogada Arlene Dias lembra os dados apurados pela CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Pedofilia, realizada pela Assembleia Legislativa do Pará. Foram registrados 27.317 casos de abuso sexual no Estado, nos últimos cinco anos. Como para cada ocorrência notificada há três ou quatro não notificadas, estima-se que esse número chegou a 100 mil casos no período. "A questão é muitíssimo delicada e preocupante quando se trata de violência sexual contra crianças e adolescentes, abrangendo não somente o abuso, como também a exploração sexual", afirma.

Em 81% dos casos de abuso sexual, explica Arlene, o agressor é o pai, o padrasto ou avô. "Trata-se de uma pessoa que deveria zelar pela integridade da criança. Não menos preocupante é a questão da exploração sexual, seja lá em que local ocorra. Mas acredito que em nossa região a questão causa maior preocupação e impacto diante de determinadas peculiaridades que facilitam tal prática, como a questão cultural e nossa posição geográfica, com grandes fronteiras e fiscalização insuficiente", destaca a advogada.

Ela diz acreditar que o número de casos de violência sexual sempre foi elevado. "Porém, até bem pouco tempo atrás, o número de denúncias era bem abaixo dos dias de hoje. Neste contexto, o trabalho de várias instituições, conjugado ao papel da mídia, vem ganhando cada vez mais importância para o processo de conscientização da sociedade contra a violência sexual em todas as camadas, uma vez que (a violência) pode ocorrer em qualquer classe social". Arlene Dias diz que, hoje, as pessoas conseguem romper o pacto do silêncio, tão comum nos casos de abuso sexual, tomando consciência da necessidade da denúncia e do combate a este crime.

A advogada informa que, por meio da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, a OAB-PA traça anualmente uma série de atividades para assegurar garantias à população infanto-juvenil. "Particularmente em relação à violência sexual, (a OAB-PA) vem promovendo vários eventos, algumas vezes em parceria com outras instituições, no sentido de fomentar o combate à violência sexual, além de buscar e exigir soluções junto aos órgãos competentes para minorar o problema".

"Carta Denúncia" solicitará intervenção do Ministério Público

A pedagoga do Cedeca-Emaús diz que não se pode deixar de destacar que a criação e a divulgação dos canais de denúncias oficiais têm possibilitado uma maior mobilização da população para denunciar casos de violência sexual. "Além disso, a discussão do tema em outros espaços públicos tem contribuído significativamente para o aumento de denúncias", afirma Alessandra Cordovil. Para reverter o cenário de violação de direitos humanos, o Cedeca-Emaús "vem intervindo no sentido de construir estratégias de enfrentamento da problemática que levem em consideração, acima de tudo, o direito à participação de crianças e adolescentes na promoção de direitos fundamentais, atuando de fato e multiplicando ações de enfrentamento da violência sexual e de outras formas de violações", acrescenta.

O Cedeca-Emaús, destaca a pedagoga, também vem realizando ações que contemplem gênero, etnia, orientação sexual, redução de iniquidades regionais, participação infanto-juvenil e humanização da participação de crianças e adolescentes nos sistemas de segurança e justiça, dentre outros temas que possam fortalecer as redes de proteção e responsabilização locais.

Além disso, destaca Alessandra Cordovil, a entidade atua politicamente por meio do Comitê Estadual de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, cuja coordenação atual encontra-se sob a responsabilidade do Cedeca-Emaús. Na opinião de Alessandra, o que o Estado e as demais organizações da sociedade podem fazer para combater o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes é desenvolver ações integradas entre os diversos setores da sociedade (saúde, educação, assistência social), articulados com os fóruns e comitês de enfrentamento da violência sexual, para potencializar as ações e recursos humanos e financeiros voltados para esse trabalho.

No dia 18, o Comitê Estadual de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, o Fórum DCA (Direitos da Criança e do Adolescente) e o Fórum Municipal de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes realizarão uma audiência pública com o Ministério Público do Estado, para entregar uma "Carta Denúncia" destacando as violações de direitos de crianças e adolescentes identificadas pela sociedade civil e, também, solicitando a intervenção do Ministério Público.

OAB quer serviço de inteligência especial para apurar ocorrências

Arlene Dias afirma que, após a divulgação dos dados da CPI da Pedofilia, a OAB-PA encaminhou ofício aos comandos da Delegacia Geral e à Diretoria de Polícia do Interior, também da Polícia Civil, requerendo a criação de uma delegacia e um serviço de inteligência especializados para apuração de crimes de violência sexual contra crianças e adolescentes. Enviou, ainda, ofício ao Tribunal de Justiça do Pará requerendo a instalação de uma vara especializada com competência estadual para julgamentos de crimes desta natureza.

A advogada acredita que o Estado, em especial, deve implantar políticas públicas e fortalecer as redes de apoio às vítimas de violência sexual, além de promover a capacitação dos profissionais que atuam na área. "Quando o assunto é o combate à violência sexual, nota-se o importante papel das demais instituições, através de seus programas e ações de enfrentamento à violência sexual, levando a problemática à sociedade e exigindo o cumprimento das obrigações dos órgãos competentes", diz.

Um grande passo, defende, seria a criação de um banco de dados integrado entre as instituições, do qual se obtivessem dados mais concretos e que se aproximassem da realidade. "Mas a questão do combate à violência sexual não é tão simples, uma vez que a origem da questão é multifatorial. No caso da exploração sexual contra crianças e adolescentes, por exemplo, a pobreza é um dos fatores de risco, sendo registrados muitos casos de pais que vendem seus filhos com o intuito de obter lucro", completa.

Arlene Dias afirma que é preciso estar atento às alterações comportamentais que a criança apresenta após o abuso, tais como agressividade, irritabilidade, alterações no sono, dificuldade de concentração e consequente baixo rendimento escolar, isolamento, dificuldade no relacionamento com outras crianças, distúrbios de conduta (mentira, furto) e transtorno de estresse pós-traumático. "Alerto, porém, que o fato de apresentarem tais sintomas não significa necessariamente que a criança foi abusada. Mas, sem dúvida, devem ser investigados com cautela".

Campanha busca reunir 50 mil tweets contra exploração sexual

A campanha de mobilização Carinho de Verdade, ação pública em defesa de crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual comercial, pretende reunir, até 18 de maio, 50 mil tweets (textos postados) contra a prática, por meio das redes sociais Twitter, Facebook, Orkut e Flickr. A campanha é realizada desde o dia 18 de abril deste ano.

Cerca de 100 artistas e atletas de destaque participam do ato, que tem como objetivo fomentar os debates públicos sobre a exploração sexual de crianças e adolescentes e sensibilizar a sociedade brasileira, estimulando um comportamento efetivo para o enfrentamento do problema.

Qualquer pessoa pode participar do ato utilizando a hashtag #carinhode verdade em suas redes. Os que ainda não têm redes sociais podem acessar o site oficial da campanha www.carinhodeverdade.org.br e fazer a adesão.

A campanha foi lançada em outubro de 2010 pelo Conselho Nacional do Serviço Social da Indústria (Sesi), em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o Comitê Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, a Childhood Brasil e outras organizações que integram as redes de enfrentamento à violência sexual no Brasil.

Dados do Disque-Denúncia nacional indicam que, no primeiro semestre de 2010, foram recebidas 3.600 denúncias de violência sexual. De acordo com os organizadores da campanha, entretanto, não há dados oficiais sobre o número exato de crianças e adolescentes que vivem essa realidade no País.


Fonte: O Liberal 16/05/2011 (site ORM)

quarta-feira, 11 de maio de 2011

CURSO DE EXTENSÃO EM DIREITO E PSICANÁLISE: A questão do abuso sexual

Ministrante: Prof. Dr. Ernani Chaves


Resumo do Curso:

A questão do abuso sexual, em especial o praticado contra crianças e adolescentes, é uma das questões mais candentes e mais preocupantes de nossa época. A respeito dela, diversos campos do conhecimento, diversas especialidades têm se manifestado, em busca de explicações, causas, motivações, possibilidades de prevenção. Nesta perspectiva, o curso pretende introduzir ao debate psicanalítico acerca deste tema, em especial a partir das contribuições da “teoria da sedução generalizada”, de Jean Laplanche e da “teoria do sujeito”, de Jacques Lacan, autores que nos remetem, evidentemente, à obra de Freud. Trata-se de uma contribuição importante, de uma discussão complexa, que acrescenta ao fato concreto do abuso (e também o do incesto, ao qual o abuso se encontra geralmente associado) e suas conseqüências traumáticas, o enigma do desejo. Trata-se enfim, de uma contribuição à qual não tem se recorrido com mais freqüência neste debate, por razões que precisam ser discutidas e esclarecidas.

Local: Faculdade de Direito do CESUPA (Av. Alcindo cacela, entre Gov. José Malcher e Avenida Magalhães Barata).

Período: 11, 12 e 13 de Maio.

Hora: 19 às 22 horas.

Investimento: R$30,00 (Estudantes) e R$50,00 (Profissionais).

As Inscrições podem ser feitas no local do curso.

terça-feira, 10 de maio de 2011

EVENTO - 18 de maio - Dia Nacional de Combate à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes

Dia 18 de maio - Dia Nacional de Combate à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes- o CRP da 10ª Região estará promovendo às 18 h no Computer Store o evento "A Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes e sua interface com a Saúde mental". Vale a pena!

quinta-feira, 5 de maio de 2011

PROJETO DIREITO DE SER CRIANÇA E ADOLESCENTE

Dia 13 de maio a Prefeitura Municipal de Belém, por meio da Secretaria Municipal de Educação de Belém promoverá programação no Auditório do Centro de Ciências Sociais/UEPA, horário de 08h às 12h em alusão ao dia 18 de maio - Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes - no qual, entre outros, estarei palestrando sobre a temática "Conhecendo e enfrentando a violência sexual contra crianças e adolescentes".

Seminário “Resgatando o MOVER – Movimento Estadual de Valorização do Estatuto da Criança e Adolescente”

Evento na sexta-feira, 6, no Hangar, reunirá Instituições públicas e a sociedade civil organizada em torno do fortalecimento do sistema de garantias dos direitos da infância e juventude.


(03.05.2011-19h20) O Tribunal de Justiça do Pará, o Governo do Estado do Pará e o Ministério Público estadual promovem, na próxima sexta-feira, 6 de maio, às 9h, no Hangar Centro de Convenções o Seminário “Resgatando o MOVER – Movimento Estadual de Valorização do Estatuto da Criança e Adolescente”. No evento, será assinado um Protocolo de Intenções do MOVER pela desembargadora Raimunda Gomes Noronha, presidente do TJPA; Simão Jatene, governador do Estado; deputado Manoel Pioneiro, presidente da Assembléia Legislativa do Pará; procurador Antônio Barleta de Almeida, procurador geral de Justiça do Ministério Público do Estado; defensor Antônio Cardoso, defensor público Geral do Estado do Pará; conselheiro Cipriano Sabino, presidente do Tribunal de Contas do Estado do Pará; conselheiro José Carlos Araújo, presidente do Tribunal de Contas dos Município do Pará; Celina Hamoy, coordenadora do Cedeca-Emaús; e Ricardo Gaia, vice-presidente da Childhood Brasil. Através do Protocolo, os parceiros do MOVER objetivam fortalecer o sistema de garantias dos direitos da crianças e do adolescentes

O seminário, que conta com a coordenação do juiz Deomar Barroso, titular da 3ª Vara Penal de Abaetetuba, Promotoria da Infância e Juventude de Belém e programa Propaz, é direcionado à sociedade em geral com o objetivo de debater a temática da proteção de crianças e adolescentes contra a violência sexual. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas pelo e-mail cerimonial2@tjpa.jus.br até o próximo dia 4 de maio.

Através de palestras, serão abordados temas relativos ao Depoimento Especial, de acordo com a Recomendação nº 33/2010 do Conselho Nacional de Justiça. Esse tipo de prática, que prevê o depoimento, sobretudo, de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, já vem sendo adotada no Pará pelo juiz Deomar Barroso. Conforme o juiz, o procedimento dá um caráter mais humanizado à oitiva dessas vítimas, uma vez que são ouvidas pela Justiça com a intermediação de técnicos (psicólogos, pedagogos, assistentes sociais), com o cuidado necessário, evitando perguntas impertinentes ou inadequadas. “A criança se sente mais protegida na hora de falar”, disse Barroso, que já soma mais de 30 audiências em depoimento especial.

Após a abertura e assinatura do Protocolo de Intenções, será ministrada, às 11h, a palestra; “Depoimento Especial: Aspectos Históricos e Teóricos (recomendação 33/2010-CNJ)”, com o juiz da 2ª Vara da Infância e Juventude do Judiciário estadual do Rio Grande do Sul. Na sequencia, às 12h, a pesquisadora da Childhood Brasil, Vanessa Viana, fala das “Experiências de Depoimentos Especiais de Crianças e Adolescentes – Histórico e Caracterização”. No retorno dos trabalhos, às 15h, a titular da 2ª Promotoria da Infância e Juventude do RS, Flávia Raphael Mallmann, palestra sobre a “Atuação do Ministério público no Depoimento Especial: Produção Antecipada de Prova e Fluxo entre Instituições dos Sistemas de Justiça e Proteção”. As palestras encerram com “A inserção da equipe técnica no momento da Audiência de Tomada de Depoimento da Criança e do Adolescente vítima de delito”, que será ministrada pela assistente social da 2ª Vara da Infância e Juventude do TJRS Vanea Maria Visnievski. (Texto: Marinalda Ribeiro)

sábado, 23 de abril de 2011

O ENIGMA DE NATASHA KAMPUSCH - ENTREVISTA AO SITE DE VEJA

No filme do diretor alemão Werner Herzog O enigma de Kaspar Hauser, um homem que passou a vida inteira acorrentado em um porão, sobrevivendo graças à comida que recebia de um homem misterioso, é um dia libertado e obrigado a se adaptar às regras da sociedade. Apesar de se mostrar bastante inteligente – aprendeu a escrever no cativeiro –, fracassa ao tentar se relacionar com pessoas. Quatro anos depois de escapar de um cativeiro que a privou de toda a adolescência, a jovem austríaca Natascha Kampusch, 22 anos, faz lembrar, de maneira tocante, a história de Kaspar Hauser. Sequestrada aos 10 anos no caminho para a escola pelo engenheiro Wolfgang Priklopil, Natasha foi submetida a todo tipo de violência física e psicológica até reunir forças para escapar de sua prisão, aos 18 anos. Sua história imediatamente ganhou o mundo - e Natascha se viu cercada de cuidados e atenção. "Mas viver entre as pessoas foi e continua sendo o meu grande desafio", disse ela ao site de VEJA, na semana passada, às vésperas do lançamento no Brasil de sua autobiografia, 3.096 Dias (Editora Record).

É numa sala informal, no sexto andar de um prédio comercial localizado em uma rua movimentada do centro de Viena, capital austriaca, que Natascha concordou em receber a reportagem para uma entrevista. Antes disso, ela aceita passear pela redondeza: posou para fotos num parque próximo, Stadtpark, e nas calçadas em torno do escritório. Ela anda pisando firme e olhando sempre à frente. Mantém o ar sério dos conterrâneos. Para as fotos, exige a presença de uma maquiadora profissional, e pede a ela que dê atenção especial a algumas marcas na pele clara do rosto. Seus cabelos castanhos são tingidos de loiro e têm um corte reto e sem movimento. Natascha é cuidadosa mas discreta no modo de se vestir. Diz que tem pavor da beleza "tipicamente americana, em que reinam o silicone e o botox".

Na volta ao prédio de escritórios, Natascha mostra desconforto no elevador apertado. A presença de desconhecidos ainda a incomoda - e partir dos contatos superficiais para qualquer relacionamento mais significativo representa um obstáculo insuperável. Pouco depois de ganhar a liberdade, Natascha passou a morar sozinha, e não com a família. Ela diz não tem grandes amigos, e não sabe o que é ter um namorado. Passa grande parte do tempo sozinha, em casa, indo ao escritório duas vezes por semana. No trabalho, ela faz questão de ser chamada de senhorita, e nunca pelo primeiro nome, mesmo pelos profissionais que trabalham ao seu lado quase diariamente. Apesar de tentar se mostrar sorridente, é difícil arrancar dela um sorriso natural. Quando faz piadas – o que acontece com frequência, mesmo ao falar de seu sequestro –, o sorriso é leve e irônico, escondido no canto da boca.

Após a entrevista, Natascha faz um inesperado convite para um almoço. No caminho do restaurante, que fica na esquina da quadra em que está localizado o escritório, comentou baixinho: “Queria que, quando eu entrasse, todas as pessoas desaparecessem”. Ela deu sorte, não havia viva alma no local. Já passava das 14h30. Pediu ao garçom arroz frito com legumes – é vegetariana – e um suco de cranberry. Mais uma vez surpreende, com uma frase em português: “Bom jantar”. De vez em quando, arrisca curtas frases em inglês – apesar de compreender bem o idioma, falta-lhe fluência. Em uma só banda, ela resume seu gosto musical: The Beatles.

Natascha tornou-se um rosto conhecido na Áustria, a ponto de ser reconhecida nas ruas. Sua história não desperta apenas simpatia. Por ter se mostrado forte durante sua recuperação e guardado as lágrimas para si, ela não se enquadrou no estereótipo da vítima. Isso levantou desconfiança e acarretou repetidas investigações, inclusive sobre uma possível cumplicidade de Natascha durante o sequestro. A jovem ainda é questionada por outras decisões, como a de ficar com a casa que já foi seu cativeiro, além de visitá-la de tempos em tempos para participar pessoalmente de sua manutenção. “Não quero que caia nas mãos erradas e vire uma atração turística”, justifica.

Por todas as críticas, ela se sente incompreendida. Não gosta das manchetes que leu nos jornais sobre o seu caso, que apontam o sequestrador como um monstro completo. “Ninguém é totalmente bom ou mau”, diz ela. Desde que escapou, Natascha sente certa compaixão por esse homem perturbado que a maltratou por tanto tempo. Se alguns especialistas insistem em classificar essa relação bizarra como “síndrome de Estocolmo” – termo usado para descrever um fenômeno psicológico em que as vítimas simpatizam ou mesmo colaboram com os criminosos –, ela rejeita enfaticamente o rótulo. “Aproximar-se do sequestrador não é uma doença. Criar um casulo de normalidade no âmbito de um crime não é uma síndrome. É justamente o oposto. É uma estratégia de sobrevivência em uma situação sem saída”, diz. As marcas deixadas pelo sequestro muitas vezes lhe parecem impossíveis de apagar. Mas Natascha segue acreditando que no futuro algo de espetacular vai acontecer e tornar esse passado irrelevante.

Família - Pouco depois de escapar do cativeiro, Natascha decidiu morar sozinha em vez de juntar-se à família.

Em 3.096 Dias, ela assim descreve os pais:

Mãe: "Com sua natureza enérgica e decidida, era difícil para ela demonstrar emoções (...) Assim como as lágrimas, manifestações de afeto excessivas a incomodavam. (...) Não se permitia nenhuma 'fraqueza' e não a tolerava nas outras pessoas."

Pai: "Ele me recebia de braços abertos quando eu queria carinho e fazia muitas brincadeiras comigo – quando estava acordado. Na época em que ainda morava conosco, eu o via sempre dormindo. Ele gostava de sair à noite e beber generosamente com os amigos. E era pouco afeito ao trabalho."

Durante o tempo em que Natascha esteve desaparecida, Brigitta Sirny e Ludwig Koch nunca deixaram de procurá-la. O impacto do sequestro sobre eles também foi profundo. A mãe foi acusada de envolvimento no crime e até de haver assassinado a filha. O pai, que já tinha problemas com álcool, perdeu de vez o controle de sua vida.

Em 2007, Brigitta publicou sua própria versão da tragédia: Anos desesperadores: Minha vida sem Natascha. A obra não foi bem recebida pela filha, que a considerou precipitada - embora ela diga entender a urgência da mãe em falar.

Aos poucos, as duas ensaiam uma aproximação. “É como se estivéssemos conhecendo uma pessoa nova, começando a relação novamente”, disse Brigitta ao site de VEJA. O maior empecilho é o assunto DO cativeiro. Embora queira saber como era a vida da filha ao lado do sequestrador, Brigitta acha muito doloroso ouvir a respeito. Não passou das 40 primeiras páginas do livro de Natascha. “É mais do que posso aguentar. Talvez termine de ler um dia, mas terei que me sentir muito forte para isso”, afirma. Para Brigitta, ainda vai demorar pelo menos o mesmo período de tempo em que Natascha ficou presa para que a relação entre elas se torne mais natural. Mas é certo que já conquistaram alguns avanços. “Já acontecem algumas situações típicas do relacionamento entre mãe e filha. Quando ligo todos os dias, Natascha reclama. Quando não ligo algum dia, ela pergunta por que não liguei. É um bom sinal”, diz ela.

A relação de Natascha com o pai atualmente é quase nula. Brigitta acredita que o principal motivo seja ele ter começado a chamar jornalistas para as festas de família e encontros com Natascha, em troca de dinheiro. Chistoph Feurstein, jornalista da emissora ORF, a TV pública de Viena, acompanhou o caso desde o início e conta um episódio que ilustra a forma equivocado com que Koch tem lidado com a “fama” de sua filha. Quando Feurstein ganhou um prêmio de jornalismo por ter feito a primeira entrevista com Natascha depois de sua fuga, a convidou para o evento de entrega para que ela pudesse recebê-lo ao seu lado. Natascha queria ir, mas era aniversário de Koch e ele reclamou da sua ausência. Então, decidiu prestigiar o pai. Mas ao chegar na festa, descobriu que ele havia chamado fotógrafos e repórteres para o que deveria ser uma reunião familiar. “Seria injusto dizer que Koch não procurou pela filha a cada dia. Ele dizia que se mataria sem ‘sua princesa’. Depois que ela escapou, porém, ele achou que teria sua filha criança de volta, como se estivesse em um conto de fadas", diz Feurstein.

Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/o-enigma-de-natascha-kampusch

A VÍTIMA INDIGESTA POR ELIANE BRUM

Quase todos se lembram da austríaca que, em 23 de agosto de 2006, fugiu de seu sequestrador nos arredores de Viena. Natascha Kampusch terminava ali 3096 dias de um sequestro iniciado oito anos antes, em 2 de março de 1998. Naquele dia, sem se despedir da mãe depois de uma briga, ela caminhava até a escola quando foi agarrada e empurrada para dentro de uma caminhonete branca por Wolfgang Priklopil, engenheiro de telecomunicações, ex-funcionário da Siemens, jovem, educado, tímido e com enormes problemas com o mundo de fora. E, claro, com o de dentro.

Natascha viveu dos 10 aos 18 anos confinada no porão da casa de Priklopil. Depois dos primeiros tempos, ela alterou o porão com trabalhos duros na parte superior da casa que ajudava a reformar e a limpar. Sempre seminua e na maior parte do tempo com os cabelos raspados para não deixar vestígios. Nos últimos anos apanhava violentamente quase todos os dias e mal conseguia sustentar um corpo coberto por hematomas, cortes e lesões. A submissão era garantida ainda com a baixa ingestão de calorias e às vezes a suspensão total de comida por até dias. Aos 16 anos, Natascha media 1m75 e pesava 38 quilos.

Em 23 de agosto de 2006, Priklopil estava no bem protegido jardim da casa com Natascha, que aspirava os bancos da caminhonete, quando o celular dele tocou. Quando Priklopil precisou se afastar para atender à ligação por causa do barulho do aspirador, ela fez um enorme esforço para vencer a prisão psicológica que depois de tantos anos a paralisava mais do que os muros e escapou pelo portão. Desta vez, Natascha correu. Mais tarde, Priklopil se jogaria diante de um trem.

Este é o resumo da história. E era tudo o que eu sabia até agora porque quando começo a acompanhar esse tipo de caso no noticiário é sempre tão previsível que perco o interesse no segundo dia de cobertura. Há um monstro, louco e muito diferente de todas as pessoas boas e normais que habitam qualquer mundo, seja a Áustria ou aqui. E há uma vítima, frágil e confusa, que merece e precisa de toda a nossa pena. E há o resto de nós, que enquanto emite ahs e ohs diante da tela da TV, se regozija secretamente de que ainda bem que isso só acontece com os outros, que não há monstros morando dentro de nós nem vítimas habitando nossas almas. As tragédias cumprem seu papel de nos assegurar de nossa normalidade – assim como de nossa superioridade. E também por isso fazem um sucesso midiático tremendo.

Qual é a diferença aqui? A diferença é Natascha Kampusch. Para surpresa de seus conterrâneos e do mundo inteiro que disputava sua história (às vezes inventando detalhes sórdidos por achar que os verdadeiros ainda eram poucos), Natascha recusou-se a ocupar o lugar reservado a ela no espetáculo – o de vítima eterna.

Sim, ela dizia, eu fui uma vítima, mas isso não é tudo o que eu sou. Sim, Wolfgang Priklopil é um sequestrador e um criminoso, mas não é um monstro. “A simpatia oferecida à vítima é enganadora”, escreveria ela mais tarde. “As pessoas amam a vítima apenas quando se sentem superiores a ela”.

Natascha lutou para que não fizessem dela um produto de consumo em um show freak. Obviamente, perdeu logo a simpatia do público, que em muitos casos se transformou em ódio e ameaças pela internet. Chegou a ser acusada de cumplicidade e de ganhar dinheiro com a tragédia. Como assim, aquela menina loira e de olhos azuis, que deveria agradecer comovida a todas as manifestações de bondade vindas de todos os cantos de seu país e do mundo, ousava destruir a fábula moderna da cobertura midiática?

Pois ela ousou. E é por isso que seu livro 3096 dias – A impressionante história da garota que ficou em cativeiro durante oito anos, em um dos sequestros mais longos de que se tem notícia (Verus Editora) merece ser lido. Nas 225 páginas, Natascha Kampusch apropria-se de sua história e acerta suas contas – especialmente consigo mesma. Ao escrever a versão do que só ela viveu para contar, já que o outro protagonista está morto, eliminou qualquer possibilidade de transformarem sua vida num conto de fadas que, derrotada a fera, já teria o final feliz assegurado. Natascha Kampusch escolheu a vida, com todas as suas contradições, e não um pastiche dela – isto, quem desejava era o sequestrador.

Natascha, que leu muito no cativeiro, se expressa bem. Não é apenas a ajuda que teve para escrever o livro que garante a densidade da narrativa, mas sua capacidade de refletir e analisar o vivido torna-se bem clara também nas entrevistas que dá à imprensa. Escolhi alguns trechos do livro para que nos ajudem a entender o que Natascha nos diz. E é importante o que ela nos diz para entendermos a nós mesmos – e o nosso papel nas tragédias que se sucedem no noticiário e na vida.

Natascha Kampusch começa sua narrativa escapando do mito da infância feliz. Ela não era uma alegre e saltitante Chapeuzinho Vermelho engolida por um lobo malvado quando estava a caminho da casa da avó para mais um dia perfeito. Era uma menina que tinha dúvidas sobre o amor dos pais (como a maioria de nós, aliás), que fazia xixi na cama apesar de já ter 10 anos e sentia-se desconfortável com o próprio corpo gorducho. No dia do sequestro ela tinha conquistado a liberdade de ir sozinha à escola pela primeira vez, um trajeto de cinco minutos. Estava apavorada com a nova aventura, o que pode ter sido pressentido por Priklopil, um homem que conhecia muito bem o sentimento do medo em sua própria pele e se sentia totalmente deslocado no mundo exterior.

“Hoje acredito que, ao cometer um crime terrível, Wolfgang Priklopil queria apenas criar seu próprio mundinho perfeito, com uma pessoa que estivesse ali só para ele. Provavelmente ele nunca teria podido fazer isso do jeito normal e decidira, assim, forçar e modelar alguém para isso. Em essência, ele não queria nada mais do que as outras pessoas: amor, aprovação, calor. Queria alguém para quem ele fosse a pessoa mais importante do mundo. Ele parecia não ter visto outro modo de conseguir isso senão sequestrando uma menina tímida de 10 anos e a afastando do mundo exterior, até que ela estivesse tão psicologicamente alheia que ele pudesse ‘recriá-la’. (...)

Ele precisava daquele crime insano para concretizar sua visão de um mundo perfeito e intacto. Mas, no fim, realmente queria apenas duas coisas de mim: aprovação e afeto. Como se o objetivo por trás de toda aquela crueldade fosse forçar uma pessoa a amá-lo incondicionalmente.”

As torturas se intensificaram justamente quando Priklopil percebeu que, apesar de tirar-lhe o espelho para que não tivesse nenhuma imagem de si, batizá-la com um novo nome e proibi-la de pronunciar o antigo, ele não conseguia dobrar Natascha. E a vida idílica que esperava ter com sua mulherzinha/escrava dentro de casa, longe dos olhos do mundo, era impossível. Era impossível especialmente para ele, que se tornava cada vez mais temeroso do mundo lá fora. E mais desesperado com o de dentro, onde a menina crescia e se tornava mulher, algo com que ele nunca tinha lidado muito bem.

“Se eu tivesse apenas o odiado, esse ódio teria me consumido e me tirado a força de que eu precisava para sobreviver. Como naquele momento pude captar um lampejo do ser humano pequeno, desorientado e fraco por trás da máscara do sequestrador, pude me aproximar dele. Então, olhei em seus olhos e disse:

– Eu perdoo você, porque todo mundo erra às vezes.

Foi um passo que pode parecer estranho e doentio para muitas pessoas. Afinal de contas, o ‘erro’ dele custara minha liberdade. Mas era a única coisa a fazer. Eu tinha de conseguir conviver com aquele homem, caso contrário não sobreviveria.”

Em vários momentos do livro, Natascha mostra como o perdão tornou-se um instrumento poderoso nessa relação delicadíssima, em que o sequestrador tinha literalmente a vida dela nas mãos. Perdoar a tornava potente – e não apenas passiva. Alterava o equilíbrio de forças entre os dois. Ela passou oito anos e meio recusando-se a chamá-lo de “mestre” e a ajoelhar-se diante dele, mesmo que fosse espancada por isso.

O confronto de Natascha com o mundo de fora é revelador menos da vítima e do sequestrador – mais da sociedade, de nós. Imagine a cena. Ela corre para longe do seu sequestrador, depois de mais de oito anos de cativeiro. Diz às primeiras três pessoas que encontra, uma criança e dois homens adultos: “Vocês têm de me ajudar! Preciso de um celular para chamar a polícia! Por favor!”. A resposta foi: “Não podemos. Não trouxe meu celular”. Pense bem no que você faria diante da situação, antes de acusar a monstruosidade dessa resposta.

Em seguida ela atravessa vários jardins, salta cercas e vê uma mulher na janela da casa. Ela bate na janela e diz: “Por favor, me ajude! Chame a polícia! Fui sequestrada. Chame a polícia!” A mulher reage dizendo: “O que você está fazendo no meu jardim? O que você quer?”. Ela dá seu nome completo, explica que foi seqüestrada e que ela precisa chamar a polícia. A mulher retruca: “Por que você veio justo até a minha casa?” Então hesita: “Espere na cerca viva. E não pise no gramado!”. Antes de julgar a mulher da janela – e acho que devemos julgar, sim – vale a pena nos perguntarmos o que faríamos nessa situação.

Mais tarde, os próprios policiais tratariam Natascha com desprezo por ela não ter permitido que seguissem se comportando como seus salvadores. Pelo contrário. Ficaria provado, num escândalo posterior, que seu caso foi uma combinação de desleixo com incompetência. Que havia uma pista sólida sobre o sequestrador e a localização do cativeiro e que esta pista nunca foi investigada. Os documentos que atestavam o descaso desapareceram e só mais tarde a fraude foi desmascarada.

Enquanto isso, Natascha foi atormentada por interrogatórios infindáveis com o objetivo de obrigá-la a afirmar que estava sendo chantageada por cúmplices, que fora sequestrada por uma quadrilha – enfim, que a força policial não havia sido vencida por seus próprios erros e por um homenzinho tímido e frágil que esteve o tempo todo ali, a apenas alguns quilômetros da casa da vítima.

“As autoridades começaram a me tratar diferente com o passar do tempo. Fiquei com a impressão de que, de certo modo, eles se ressentiam do fato de que eu me libertara sozinha. Nesse caso, eles não eram os salvadores, mas aqueles que haviam falhado durante anos”.

Quando Natascha se recusou a representar o papel de vítima passiva do “monstro sexual”, foi odiada e ridicularizada. Os mais bonzinhos, com seus diplomas na parede e sua condescendência profissional, trataram de carimbar o diagnóstico definitivo na sua testa. A patologia de sempre: “Síndrome de Estocolmo”. Mas deixemos que Natascha fale, porque ela se defende com muita propriedade também dos bem intencionados.

“As coisas não são totalmente pretas ou brancas. E ninguém é totalmente bom ou mau. Isso também vale para o sequestrador. Essas são palavras que as pessoas não gostam de ouvir de uma vítima de sequestro. Porque os conceitos de bem e mau já estão claramente definidos, conceitos que as pessoas querem aceitar para não perder o rumo em um mundo cheio de tons de cinza.

Quando falo sobre isso, posso ver a confusão e o repúdio no rosto de muitas pessoas que não estavam lá. A empatia que sentem pela minha história se congela e se transforma em negação. Pessoas que não têm ideia da complexidade do cativeiro me negam a capacidade de julgar minhas próprias experiências ao pronunciar três palavras: ‘Síndrome de Estocolmo’.

Síndrome de Estocolmo é um termo usado para descrever um fenômeno psicológico em que os reféns manifestam sentimentos positivos em relação aos sequestradores. Esses sentimentos fazem com que as vítimas simpatizem ou mesmo colaborem com os criminosos – isto é o que dizem os compêndios. Um diagnóstico classificatório que rejeito enfaticamente. Por mais simpático que pareça ser o uso do termo, seu efeito é terrível, pois transforma as vítimas em vítimas novamente, ao tirar delas a capacidade de interpretar a própria história e ao transformar as experiências mais significativas em produto de uma síndrome. (o grifo é meu)

O termo aproxima de algo censurável o próprio comportamento que contribui significativamente para a sobrevivência da vítima. Aproximar-se do sequestrador não é uma doença. Criar um casulo de normalidade no âmbito de um crime não é uma síndrome. É justamente o oposto. É uma estratégia de sobrevivência em uma situação sem saída – e é muito mais verdadeiro que a ampla categorização dos criminosos como bestas sanguinolentas e das vítimas como cordeiros indefesos, na qual a sociedade quer se basear”.

Dá para entender por que, passado o clamor inicial, Natascha Kampusch tornou-se uma vítima indigesta.

Chegaram a sugerir a Natascha que trocasse de nome para não ser assinalada pelo que viveu. Como se isso fosse possível. E, caso fosse possível, como se anular seu passado não anulasse com ele uma parte essencial de si mesma. “Que tipo de vida seria essa, especialmente para alguém como eu, que durante os anos de cativeiro lutara para não perder a identidade?”, questiona.

Com surpreendente maturidade, Natascha entendeu que só tem uma vida aqueles que aceitam as suas marcas como parte do vivido, mas não como tudo o que são. E assim, ela não se fixou nas marcas nem se deixou paralisar pelo lugar de vítima eterna. Natascha Kampusch seguiu com seu corpo e sua vida marcada em direção ao futuro, pronta para ser tatuada por novas experiências. Como é, afinal, a vida de todos nós.

Natascha Kampusch não era Chapeuzinho Vermelho e, se Wolfgang Priklopil era um lobo, era um bem patético. Ela não teve a chance de ouvir os contos de fadas muitas e muitas vezes na hora de dormir para ter certeza de que o horror não aconteceria com ela, como se passa nas noites das crianças sortudas. Natascha foi arrancada da infância para ser a escrava de um adulto perturbado e talvez tão assustado quanto ela. E o horror continuava lá quando acordava presa em um porão escuro.

Aos 22 anos, Natascha precisou transformar o vivido em história contada. Para ser capaz de libertar-se e seguir adiante, porém, era fundamental ser fiel à complexidade da vida e às nuances dos personagens. Queriam dela mais um remake estereotipado do que costuma ser contado e recontado em tragédias espetaculosas. Ela respondeu com uma narrativa que nos implica a todos. É por ter se negado a dar respostas fáceis ao mundo que a assistia que não a perdoam. Mas esta é a história que a Natascha adulta pode contar a si mesma tantas vezes quanto forem necessárias e acordar no dia seguinte sabendo quem é.

Seu livro é uma boa leitura para todos, possivelmente essencial para policiais, advogados, promotores e juízes, para assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras e psicanalistas – e, sim, para jornalistas. Se eu fosse professora de alguma faculdade de jornalismo consideraria bibliografia obrigatória. O testemunho de Natascha pode nos ajudar a cometer menos atrocidades nas coberturas das tragédias que se sucedem no noticiário.

Sobre sua relação com a imprensa, Natascha escreve o seguinte:

“Eu nunca abriria mão da minha identidade. E me apresentei diante das câmeras com meu nome completo e sem disfarces, e ofereci um vislumbre do tempo do cativeiro. Mas, apesar da minha franqueza, os meios de comunicação não me deixavam em paz. Eram dezenas de manchetes, e especulações cada vez mais absurdas dominavam o noticiário. Parecia que a verdade terrível não era terrível o bastante, então eles acrescentavam coisas muito além do suportável, negando, com isso, minha autoridade como intérprete do que eu vivera. (...)

Fui percebendo que caíra em outra prisão. Centímetro a centímetro, as paredes que substituíram o cativeiro se tornaram visíveis. Eram mais sutis, construídas com o interesse público excessivo, que julgava cada movimento meu. Assim, coisas simples como pegar o metrô ou ir ao shopping em paz se tornaram impossíveis para mim. Acreditei que, ao satisfazer a curiosidade da mídia, seria capaz de retomar minha própria história. Só depois descobri que uma tentativa como essa nunca teria êxito. Nesse mundo que buscava por mim, a questão não era eu. Eu me tornara conhecida por causa de um crime terrível. O sequestrador estava morto – não havia um caso Priklopil. Eu era o caso: o caso Natascha Kampusch.”

Ela vai mais além. Vai até o fim.

“Depois da fuga, fiquei surpresa – não pelo fato de que eu, como vítima, fosse capaz de fazer essa diferenciação, mas de que a sociedade na qual entrara após meu cativeiro não permitisse a menor nuance. Como se eu não pudesse refletir de maneira alguma sobre a pessoa que fora a única em minha vida durante oito anos e meio. Não posso nem aludir ao fato de que preciso desse recurso para tentar superar o que aconteceu sem despertar incompreensão.

Ao mesmo tempo, percebi que, em certa medida, também idealizei a sociedade. Vivemos em um mundo em que as mulheres apanham e são incapazes de abandonar o homem que bate nelas, embora, em tese, a porta esteja aberta. Uma em cada quatro mulheres é vítima de violência extrema. Uma em cada duas mulheres sofre assédio sexual durante a vida. Esses crimes estão em toda parte e podem ocorrer atrás de qualquer porta do país, em qualquer dia, e talvez só provoquem um dar de ombros ou uma indignação superficial.

Nossa sociedade precisa de criminosos como Wolfgang Priklopil para dar um rosto ao mal e afastá-lo dela mesma. É preciso ver imagens desses porões para que não se vejam os muitos lares em que a violência ergue sua face burguesa e conformista. A sociedade usa as vítimas desses casos sensacionalistas, como o meu, para se despir da responsabilidade pelas muitas vítimas sem nome dos crimes praticados diariamente, vítimas que não recebem ajuda – mesmo quando pedem.

Crimes assim, como o que foi cometido contra mim, formam a estrutura austera, em branco e preto, das categorias de Bom e Mau nas quais a sociedade se baseia. O criminoso deve ser um monstro, para que possamos nos ver no lado dos bons. O crime deve ser acrescido de fantasias sadomasoquistas e orgias selvagens, até que seja tão extremo que não tenha mais nada a ver com nossa própria vida.

E a vítima deve ficar destruída e permanecer assim, para que a externalização do mal seja possível. A vítima que se recusa a assumir esse papel contradiz a visão simplista da sociedade. Ninguém quer ver isso, porque, caso contrário, as pessoas teriam de olhar para dentro de si mesmas”.

A história que Natascha Kampusch escolheu contar foge de todas as simplificações. E por isso ela pagou – e vem pagando – um preço alto. Me pergunto de onde essa garota presa e torturada por um homem solitário e instável durante mais de oito anos conseguiu forças e lucidez para continuar brigando pela integridade do que é. Não mais agora contra Wolfgang Priklopil, mas contra todos nós que queremos reduzi-la às necessidades de nosso voraz apetite por vítimas. Ao nosso desespero por uma normalidade que só existe em nossas fantasias, à categorização simplista do bem e do mal – onde todos estamos, claro, sempre no lado do bem.

Suponho que, logo após a fuga, Natascha Kampusch tenha percebido que não podia se deixar sequestrar novamente – agora não mais pelo criminoso de um só rosto, mas pela sociedade que tentava aprisioná-la em rótulos fáceis, convenientes para todos menos para ela. Assumiu o preço sempre custoso da liberdade e vem tentando ditar suas próprias regras. Algo como: “Ah, vocês esperavam ser salvos? Desculpa, mas não à custa da minha vida”.

Este livro é um manifesto de afirmação de sua identidade. Com toda a inteireza de sua experiência. À Natascha Kampusch, meu máximo respeito. Espero que ela continue nos mandando passear e siga com a sua vida.

Eliane Brum

Revista Época

quarta-feira, 20 de abril de 2011

CURSO "ALIENAÇÃO PARENTAL E SUAS DIFERENTES PERSPECTIVAS"

Parabéns à OAB/PA, ESA e AASP pelo curso ministrado nos dias 18 e 19 de abril, sem dúvida, muito esclarecedor!